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Está ocupado


Ilustração: Andreza Setúval

Eu ainda tinha umas dez matérias para editar quando minha diretora me chamou: "Vamos, Caline?". "Vamos… Vamos onde?" (só pensei). Era uma semana tão louca, mas tão louca que perdi a noção de absolutamente qualquer coisa que não fosse editar e escrever matérias para a revista de moda para a qual trabalhava. Agenda? Que agenda? Estava ignorando todo e qualquer convite para qualquer evento. Até mesmo para comer alguma coisa… Levantei da cadeira não sem antes dar uma checadinha básica na agenda: evento de inauguração de uma marca de beleza MUITO importante. E muito importante leia-se: paga por anúncios e é de fato importante no Brasil. Ok. Vamos nessa! Saímos apressadamente da redação porque se tem uma coisa que jornalista sempre está é atrasado. Pra tudo. Excesso de trabalho? Desorganização? Pedidos de último minuto? Todas as afirmações anteriores!


Reserva


Chegamos ao evento e logo minha diretora encontrou uma colega de trabalho e as duas engataram o maior papo. Ela então "sugeriu" que eu fosse buscar um lugar para sentarmos e pediu que eu reservasse um lugar para sua colega também.

Encontrei por sorte três cadeiras seguidas vazias. Por azar ficavam em frente ao palco. Bem em frente mesmo. Não ia dar pra sair mais cedo ou atender uma ligação de emergência. Então, para reservar os lugares, coloquei meu crachá em uma cadeira, pulei outra e sentei na seguinte.

Um certo senhor...


Enquanto esperava a chegada da minha diretora e sua colega, um senhor se sentou exatamente ao meu lado. Um pouco impaciente pela demora das duas e por ter que ir ao evento (isso significava horas extras para terminar a edição da revista) eu disse a ele: "Senhor, sinto muito, este lugar está ocupado". Ele me lançou um enorme olhar de reprovação. Tentei justificar: "minha diretora e sua amiga vão se sentar aqui. Encontre outro lugar, por favor".

Ele ignorou minha explicação e completamente mudo sentou-se na cadeira seguinte. EM CIMA do meu crachá. Além de mal-educado era cego. Era só o que me faltava. Olhei para trás na esperança da minha diretora ter encontrado outro lugar para se sentar ou ter se perdido da colega. Afinal, elas nem eram muito amigas…

E lá vinha a dupla caminhando em minha direção e eu com um sorriso amarelo que entregava minha certificação em incompetência em reservar três míseros lugares. Rapidamente me virei para o senhor novamente: "Senhor, este lugar também está ocupado. Minha diretora está com uma amiga. Sinto muito, por favor, troque de lugar. Vá para aquele canto ali", sugeri num tom que misturava um certo desespero com uns 5% de cordialidade.


Juro que achei que ele fosse meter a mão na minha cara. Ele ficou fu-ri-o-so. Mesmo. Não entendi a reação. Gente, era só uma cadeira. E tinha uma outra… De qualquer forma estava aliviada por ele ter saído no exato momento em que as duas chegaram. Rapidamente peguei meu crachá que ainda estava quente…


Prazer, ou não

Assim que elas se sentaram, imediatamente comecei a tagarelar para minha diretora o que tinha acontecido. Quis mostrar minha dedicação, fidelidade e marcar uns pontos extras com a reunião que teria na semana seguinte para gentilmente solicitar um aumento.


Senti um imenso apertão na minha perna assim que terminei de contar a história toda, que fiz questão de relatar num tom de indignação bastante exagerado.


Na sequência ouvi ela dizer para o tal senhor: "O evento está lindo. Parabéns! Tenho certeza de que a marca será um sucesso! Esta é a Caline, minha editora…". Fiquei imobilizada, sem saber o que dizer. Soltei um "prazer" rouco, apagado, em decibéis que só os morcegos talvez ouviriam. Ele não me respondeu nada. Não precisava. Não desta vez.


Baixei a cabeça e peguei meu celular. Exibi uma expressão de preocupação como se algo tivesse acontecido no trabalho e eu precisasse resolver rápido. E de certa forma era verdade.

Minha diretora em seguida cochichou no meu ouvido: "Caline, ele é o dono da porra toda". Ok, o porra toda é por minha conta. Ela só disse que ele era o presidente do grupo. Só isso. A-PE-NAS isso.


Respirei com dificuldade durante todo o evento e não conseguia olhar pra ele quando ele subiu no palco. Só conseguia pensar em três coisas: 1. sou uma anta de não saber quem era a pessoa mais importante do evento, 2. provavelmente não terei meu aumento e 3. preciso sair daqui o mais rápido possível.

Terminou o evento e tentei fingir que nada tinha acontecido. Disse para minha diretora que precisava ir embora logo porque havia ainda bastante coisa para terminar. Ela concordou e saímos. Prometi para mim mesma três coisas: 1. preciso aprender uma técnica melhor de reserva de cadeiras, 2. não quero mais reservar lugares para mais ninguém e, 3. às vezes, minha boca fica melhor fechada.


Ainda não cumpri nada do que prometi, mas não tive mais problemas de reserva de lugares. Pelo menos até agora…

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